O que podemos ter como certo é que retomar dos burocratas e do governo a autonomia para escolherem os caminhos que lhes convém sem intermediários vai requerer muita disposição de luta. Grupos de interesse vão espernear.
Burocratas que perderão poder tentarão retaliar. Será a grita geral do balcões de venda de facilidades, agentes de propinas, fiscais marotos, corruptos de todos os tipos. Todos os atingidos juntarão forças. Haverá de existir, portanto, aquela pedra no meio do caminho. Mais que uma pedra, uma pedreira.Seria impensável não haver. Ou, então, o que poderia dizer o poeta? Que os caminhos da vida no Brasil são sendas planas, alamedas sombreadas, passagens livres? Definitivamente, não. No Brasil real, cada burocrata é uma pedra no meio do caminho. Daí que, para remodelar o país, será preciso disposição para quebrar pedras e enfrentar pedreiras.
O Brasil tem demasiados privilégios penduricados no Estado. O instinto burocrata está sempre vivo e sempre alerta. Os profissionais do parasitismo mantem-se vigilantes. Qualquer descuido, qualquer “bobeada”, e já os espertos espetam mais um benefício, mais um privilégio, mais um custo. O sonho do petismo socialista é todo membro do partido com direito a emprego público. A dificuldade é que não cabem todos no Estado. E tem um agravante: cada emprego público criado gera, em média, uma despesa mensal compromissada por mais de cinquenta anos.
Sejamos realistas: Custear um Estado é inescapável. Um povo, uma nação, precisa de um território e de uma organização social, e portanto, deve se organizar como um Estado. O Estado deve contar com instituições destinadas a prover sua defesa e proporcionar serviços ao povo do Estado. As instituições do Estado devem prover estes serviços pesando o mínimo possível ao povo da nação. Não tem cabimento o povo brasileiro precisar trabalhar cinco meses só para pagar impostos. Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), o brasileiro gasta uma média de 150 dias por ano trabalhando só para pagar impostos. Em 2013, os tributos comprometeram cerca de 41% da renda do trabalhador. Tudo isto precisa ser revisto. Os governos, nas três esferas, precisam entender que existem para servir à nação e não servir-se dela.
Agora, uma coisa é o ideal e outra o mundo real. Dado que os impostos são impostos, os burocratas tratam de dividi-los entre si e se organizam de modo a se assenhorarem do maior quinhão possível.
Criam e incham as “Instituições”, apregoadas como sacrossantas. E, nos países de tradição ibérica, as equipam com palácios suntuosos e as cercam de pompa litúrgica.
Conselhos, academias e congêneres reúnem-se corporativamente. Guardiões de privilégios postam-se em defesa dos grupos que não querem largar o osso. Muitos pateticamente aferradas a regras de privilégios por eles mesmos criadas, segundo as quais “privilégios são intocáveis”. Normal. Não dá para esperar nada diferente.
Seria mais sensato se eles pudessem entender que existem limites para o razoável. Que privilégios fora de propósito são um acinte para uma sociedade que precisa recursos para alocar na saúde e educação.
Mas a história mostra que não adianta perder tempo com os predadores. As mudanças impõe rearranjos e os cidadãos tem o direito de decidir os limites. Não se pode confundir Estado de Direito com Estado de proveito.
O melhor a fazer é fazer o que deve ser feito. É deixar que os sátrapas esperneiem. Quando se derem conta, estarão isolados e alienados pela dinâmica do processo de mudança.
O novo mata o velho. O superado vira passado. É assim desde que o mundo é mundo. Sempre foi assim e continuará a ser. Trágico, mas inevitável.
A questão central, é preciso insistir, não está só na corrupção destampada pela Operação Lava Jato e que detonou a “crise pixuleco” e nem nos erros da condução econômica. A situação da crise e, pior, de seu aprofundamento, é um reflexo das opções políticas tomadas pelo Brasil nas últimas décadas e que vem desde a Constituição de 1988. Temos um Orçamento 90% engessado. Quem pode mudar isto – que pressupõe uma aliança entre Executivo e Legislativo, já deixou claro que não quer. E não quer porque implica perda de poder e de influência. Nenhum político, neste Brasil fisiológico, vai abrir mão do poder sem espernear.
A mudança, no entanto, vai acontecer por imposição da realidade. A água já está entrando no barco.
Contudo, convém lembrar que o Brasil é muito grande, com muita inércia, e sua reação tende a ser lenta. Mesmo contando com toda a infraestrutura de telecomunicações e tendo milhões de jovens das gerações digitais antenadas com o mundo, boa parte do país ainda não despertou para a gravidade e complexidade da crise.
E, por isto, ainda não está atenta para as alternativas fantásticas do futuro digital que nos aguarda, e que pode ser melhor, muito melhor do presente analógico que nos limita. Se quisermos.
Ceska – O digitaleiro